25/03/2011

A MAÇÃ E OUTROS SABORES




“A memória é um poder estranho.
Ela guarda coisas nas suas gavetas que nem sabemos que existem.
Não adianta tentar abrir estas gavetas. Elas não abrem.
Elas só abrem quando querem.
Pois, assim aconteceu.
Uma gaveta se abriu e dentro dela havia uma maçã vermelha, embrulhada num papel de seda amarelo.
Era minha primeira maçã.”...

O outono no emisfério norte é quando o vento frio chega e sopra, endurecendo as orelhas, avermelhando o nariz e as folhas, tocadas pela geada, entram em agonia. O outono por aquelas bandas é a coisa mais bonita que existe!
Tão bonito que dói!
Dói porque é uma beleza que diz adeus. As folhas das árvores transfiguram-se.
Explodem em cores que estavam escondidas.
Felizes aquelas folhas! Como elas morrem tranqüilas! Como elas morrem belas!
Assim é o outono.
O outono é o tempo das maçãs. Havia uma cesta cheinha de maçãs.
O cheiro das maçãs se mistura com o cheiro das folhas que cobrem o chão.
“Eu amo maçãs...”
Maçãs simplesmente, sem metáforas; sua forma, seu cheiro, sua cor, seu gosto.
As maçãs, elas mesmas...”
Só que, você nunca comerá a maçã que eu estou comendo, ainda que, você morda no mesmo lugar onde eu a mordi, e eu, nunca comerei a maçã que você está comendo, ainda que eu morda, no mesmo lugar em que você a mordeu.
Na verdade a minha maçã estava cheia de outono, de folhas amarelas, de folhas vermelhas de geadas, de cheiro de folhas no chão, de nostalgia.
Dentro de cada maçã havia o mundo deles, comendo a maçã, se come também o mundo que havia nela.
Era minha primeira maçã!
Era véspera de natal.
Eu era uma criança pequena.
Meu pai estava viajando. Voltaria a tempo? Voltou.
Trouxe-me presentes. Não me lembro bem de nenhum deles. Mas, me trouxe uma maçã vermelha embrulhada num papel de seda amarelo. Naquele tempo, naquele lugar, uma maçã era uma fruta encantada que crescia muito longe, em outros países. Atravessava mares para aqui chegar. Havia mangas, jabuticabas, bananas, laranjas, mexericas, pitangas, mas, maçã não havia.
Mas, eu ganhei uma maçã. Era a única menina em minha cidade a ter uma maçã.
Eu não mordia a maçã, se eu comece a maçã, deixaria de ser a menina que tinha uma maçã.
Não queria machucá-la.
Segurava-a. Polia-a para que ficasse mais brilhante...
Hoje, tenho uma relação ambígua com as maçãs. Nos supermercados perderam seu encantamento. Já não vêm embrulhadas em papel amarelo.
Mas, vez por outra, eu me comovo: gostaria que meu pai me desse, novamente, como presente de Natal, uma maçã...

Lendo Rubem Alves, descobri que não apenas ele e eu mas, outras pessoas possuem, fechadas numa de suas gavetas, sua 1ª maçãzinha...


Neste espaço estarei reunindos trechos de obras, letras de músicas, citações, poesias e qualquer outra manifestação artística que tenha me tocado de alguma forma, levando-me à reflexão e ampliando a minha maneira de perceber a vida.

Bem vindos!
...o escolhido: Rubem Alves.

2 comentários:

  1. Minha amiga:
    Que texto mais lindo e comovente. Também me revi nele.
    Obrigada pela partilha.
    Beijinhos e bom fim de semana

    ResponderExcluir
  2. Fê, querida colega e amiga!
    Felizmente,toda geração "anos dourados" tem guardado numa de suas gavetas,sua inesquecível maçã!
    Que Seja Doce seu sabor !!!
    Bjs,
    celle

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