22/02/2014

SENTIR-SE CULPADO



Esse Título, não dá uma novela?

"O rabo está abanando o cachorro!

José foi assaltado. Levaram o carro dele.

Ao chegar em casa de táxi, ele imediatamente assumiu a culpa pelo roubo: “eu dei bobeira, não deveria ter parado naquele semáforo”.


Maria foi estuprada, e quase morreu.  Ao prestar depoimento, ela deixou bem clara sua responsabilidade pelo episódio: “eu vacilei, não deveria ter ido comprar pão sozinha”.


Um ladrão arrancou o telefone celular das mãos de João enquanto ele atendia uma ligação. Ele – o João, e não o ladrão – assumiu total culpa pelo crime: “eu não sei onde estava com a cabeça quando fui tender uma ligação no meio da rua”.


Maria foi morta durante um assalto. Ela gritou e acabou levando um tiro. Por ocasião de seu enterro, Maria foi condenada por todos os presentes: “que estupidez dela ter gritado, todo mundo sabe que durante um assalto o melhor é ficar em silêncio”.


Mário, um dedicado Policial Militar, foi morto a tiros por traficantes do morro no qual morava. Seus familiares, entrevistados por um jornalista, o recriminaram duramente: “ele sempre foi cabeça-dura, nunca quis esconder a farda quando voltava para casa”.


No mesmo morro Paulo, um líder comunitário, foi esfaqueado até a morte pelos mesmos traficantes. Seus amigos o criticaram ferozmente: “que falta de juízo, procurar a Polícia para denunciar que o crime estava dominando o morro”.


Marcos teve sua loja assaltada, e quase levou um tiro. Seus empregados reclamaram dele: “que estupidez, deixar aquele monte de mercadoria exposta na vitrina”. Marcos passou a deixar tudo trancado em um cofre.
Mas a loja  foi assaltada de novo, e um de seus funcionários, após quase levar um tiro por ter demorado a abrir o cofre, agrediu-o violentamente: “seu miserável, fica trancando tudo, mais preocupado com as mercadorias do que com a gente, e quase levamos um tiro por sua causa”. 


Carlos estava jantando com sua namorada em um movimentado restaurante quando uma quadrilha armada saqueou todos os clientes. Seu futuro sogro não gostou: “este rapaz é um irresponsável, ele sabe muito bem que não estamos em época de ficar bestando por aí, jantando fora, e acabou passando por um assalto e traumatizando minha filha”.


Joel entrou em um subúrbio com o caminhão da empresa para entregar pacotes de biscoito nos bares de lá.

Após ter tido os produtos e o caminhão roubados, e quase ter sido morto, foi despedido por seu chefe:

“que sujeito burro, ir com o caminhão lá naquele bairro sem pedir licença para o líder do tráfico local”.


Patrícia viajou a negócios. Desembarcou no aeroporto com seu “notebook” e tomou um táxi.

Não conseguiu andar dois quarteirões – foi assaltada em um semáforo. Na empresa, foi imediatamente repreendida: “você não poderia ter desembarcado sem antes esconder o “notebook”, deste jeito você pediu para ser assaltada”.

E é assim, de exemplo em exemplo, todos já parte do nosso cotidiano, que vamos chegando a uma verdadeira “rotina do absurdo”.


Aqui no Brasil é tão normal um cidadão ter medo de andar pelas ruas, é tão comum um policial ter que esconder sua profissão para não morrer, é tão usual pessoas terem que pedir permissão a traficantes para subir em morros e é tão rotineiro abrir-se mão da cidadania mais básica que já não causa surpresa as vítimas estarem se transformando em culpadas pelos crimes. 


Diante desta tenebrosa realidade, patrocinada pela fraqueza e falta de firmeza das nossas instituições, talvez já não nos cause surpresa ver

"um rabo abanando um cachorro".






2 comentários:

  1. É a tal da " normose " considerada a peste do nosso século. Ficamos tão acostumados à violência, à falta de respeito, à corrupção, à total inversão de valores que tudo isto é que passa a ser normal. e o que deveria ser normal passa a " cafonice ", a fora de moda, a estupidez. Enfim...estamos perdidos, num mundo que cada vez se afunda mais. Um beijinho, amiga e parabéns pelo texto.
    Emília

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  2. Caríssima, Emilia Pinto, sempre ao nos visitar enriquece os comentários com a clarividência de seus pensamentos, obrigada!

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