O PT foi ficando
cada vez mais dividido, pesado, paquidérmico, carregando alas divergentes que
foram minando a força interior do partido e sua chama
Adriana Calcanhoto (compositora e cantora)
Aos 15 anos, estudante secundarista em Porto Alegre, interessada especialmente nas causas indígena e trabalhista, devorando qualquer texto dos irmãos Villas Boas ou de Darcy Ribeiro que encontrasse pela frente, me apaixonei pelo movimento de criação do Partido dos Trabalhadores. Era o ano de 1980, e eu vendia broches que eram estrelinhas vermelhas com “PT” escrito em branco. Era o que podia fazer como contribuição para a concretização do grande sonho, aquele trabalho de formiguinha que o militante secundarista pode fazer, dando tudo de si. Usava meu broche de estrelinha do lado esquerdo do peito, no duplo sentido. Tirava o broche antes de chegar em casa para não ter que confrontar a família, de direita, entre outras manobras anticonflito. Até que um dia nasceu finalmente o PT, o inacreditável aconteceu. Grande privilégio do ponto de vista histórico fazer parte daquilo. Meu herói era Olívio Dutra, e meu lema era “com o Olívio onde o Olívio estiver”.
Gostava do comunismo e gosto ainda hoje. Do lado bom, do
lado utópico, do lado Ferreira Gullar, do lado Oscar Niemeyer do comunismo. Li
“O capital”, mas repudio ditadores que não respeitam os direitos humanos.
Revelou-se utópico, mas para mim antes utopia que acomodação ou o trabalho
escravo do qual o capitalismo com tanta naturalidade lança mão.
Dada hora o PT trincou e acabou rachado. Começou a ter alas
e facções demais e tornou-se, para meu gosto, excessivamente “partido”. Mesmo
ligada à causa trabalhadora e filiada ao PT em Porto Alegre, sempre me senti
mais ligada a quadros do que a agremiações. Já morando no Rio de Janeiro, fiz
campanha voluntária à Presidência da República de Roberto Freire, pelo PCB, no
primeiro turno nas eleições de 1989. Tinha 23 anos, liguei para o comitê e
perguntei: “Posso ajudar?”. Seguia acreditando nas ideias do PT, votei em Lula
no segundo turno e chorei dois dias de desgosto com a vitória de Fernando
Collor. Passou o tempo, e o PT foi ficando cada vez mais dividido, pesado,
paquidérmico, carregando alas divergentes que foram evidentemente minando a
força interior do partido e sua chama. Tempos depois a ala radical do PT, de
tão radical, chegou, por exemplo, a ser contra a candidatura pelo partido à
Presidência da República de figuras migradas de outros partidos, caso da
presidenta Dilma, oriunda do PDT. Não gosto de fanatismo. Fui deixando a cada
dia de me sentir representada pelo PT. Não achei a escolha do cinismo boa
opção. Não gostei de ver o Lula em palanques com Sarney e Paulo Maluf, que ele
execrava nos mesmos palanques quando eles não estavam presentes, aquele PT não
me representava mais.
O desmatamento aumentou. A nascente do Rio São Francisco
secou. O governo não relaciona uma coisa à outra. O governo permanecerá no
governo porque a cada eleição vai pagar carros com alto-falantes para circular
pelas ruas das cidades mais pobres do Nordeste informando que a oposição,
vencendo a eleição, vai acabar com o Bolsa Família. O povo tutelado, acuado.
São inegáveis as boas coisas realizadas pelo PT, são transparentes, menos gente
passa fome. Mas e essa confusão na Petrobras?
A Educação em cujo país o lema do governo agora é “Pátria
educadora” tem o responsável pela pasta definido no balcão de loteamento de
cargos, um deboche, uma ofensa à memória de Paulo Freire e ao esforço das
pessoas comprometidas com a educação no país, considero inaceitável, mas e daí?
Quem sou eu? Apenas uma cidadã, que paga impostos, que é muitas vezes
bitributada, que gera empregos, que para no sinal vermelho, ou seja, uma
otária, que acredita em princípios éticos. Se o governo despreza a ética por
que o povo seria ético? Mas eu não caio nessa. O chanceler escolhido pela
presidenta para assumir o posto em Washington, com habilidades conhecidas para
amenizar bilateralmente os ânimos, botar as coisas nos eixos e ajudar a
promover a visita da presidenta aos Estados Unidos em setembro, já começa com
um problema a resolver. O ministro foi empossado sem o aval dos EUA, uma
formalidade a ser cumprida, já descumprida pelo governo brasileiro na largada,
obrigando o primeiro ato do novo chanceler a ser uma quebra de protocolo. As
primeiras ações do novo governo contradizem em tudo o que foi dito na campanha,
a massa de manobra, massinha de modelar. Ai, cansa.
Quando um dos maiores tesouros do PT, a então senadora
Marina Silva, deixou a legenda, eu já estava no Partido Verde. Agora não estou
em lugar nenhum. Ou melhor, mudei-me para a desesperança. Serei alienada ou
apolítica, que é melhor para mim do que ser amoral. Semana passada, juntando em
caixas roupas, livros e coisas que não uso mais para doar, atirei num caixote
de bugigangas aquela minha estrelinha vermelha do PT, o sonho acabou. Pode a
militância entupir à vontade minha caixa postal com deselegâncias, eu sou vocês
ontem.Hoje eu sou Charlie.
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